Para tratar este assunto vamos trabalhar sobre a perspectiva transformadora da espiritualidade, passando por três aspectos (o fenômeno do narcisismo, a coragem do ser, e a mudança do cristão nos paradoxos da fé), com enfoque para desmascarar alguns paradigmas criados em nosso interior, fazendo ao leitor uma reflexão para aplicação em seu cotidiano e sua vida espiritual.
O primeiro aspecto é o fenômeno do narcisismo, uma história bastante conhecida na mitologia grega, cujo um homem chamado Narciso e amaldiçoado ao viver uma relação de desinteresses pela ninfa Eco, que pelo seu anseio em tê-lo ardentemente e não conseguir, lança a maldição, que faz com que Narciso passe a adorar sua própria imagem refletida sobre as águas (uma projeção daquilo que ele não era), de maneira incontrolável, fato que levou Narciso ao suicídio por afogamento em sua própria imagem anos depois.
Esta narrativa histórica retrata uma tendência vivenciada por muitos em nosso meio cristão, o fenômeno narcisista, que faz com que homens e mulheres projetem uma outra realidade sobre si mesmo (seu duplo ou uma imagem forjada sobre quem ele é) onde o real fica oculto de modo com que aquilo que a pessoa esta projetando, se torne uma realidade tão real para ela, que a mesma não se permite conhecer a si mesmo, uma atitude de “cegueira voluntaria”, que ignora o real, as verdadeiras áreas que precisam ser tratadas e aceitas.
Este aspecto produz cristãos doentes espiritualmente, pois estão constantemente em uma busca de ser bem sucedido em tudo que se realiza, e uma vez não conseguindo acessar estes locais, se frustram, não conseguem firmar nos propósitos, vivem uma vida de estabilidade espiritual e ministerial, e como consequência carregam fardos que não são seus.
A compreensão deste aspecto narcisista, e a permissão para esta tratativa em nós, fazendo com que o individuo deixe de ser refém desta imagem forjada, e passe a ser protagonista de sua própria história, sendo quem ele realmente é, o seu eu real, o que Tillich chama de “a coragem de ser a despeito de não ser”.
A “coragem de ser” nosso segundo aspecto é uma compreensão de nossas limitações, como o apostolo Paulo denominou “limitar seu orgulho a esfera que Deus lhe confiou (2co 10.13).
Somente voltando-se para nosso eu real, como muita coragem em ser quem somos, entenderemos qual nossa área de atuação e limitação, mantendo uma relação sadia conosco mesmo e, conseguinte com Deus e com o próximo, atuando dentro daquilo que fomos chamados a fazer, nos reconhecendo em cada etapa, e sabendo que todos se completam para o crescimento espiritual e da Igreja de Cristo.
Já o terceiro aspecto que trata da mudança do cristão em sua conversão, são fundamentos importantes na jornada de fé, sobre tudo a “honestidade” para si mesmo.
Nossa caminhada com Cristo não nos tornará um super homem ou uma super mulher, que seremos santos e sem pecados, pelo contrário, seremos levados a uma jornada onde erraremos, cometeremos pecados, e entenderemos que a graça não nos faz ex pecadores, mas pecadores remidos da inelutável escravidão do Pecado.
Este entendimento nos coloca em uma fé mais honesta e humana, de forma que vivemos ela rompendo paradoxos e com abertura às possibilidades, seja elas boas ou ruins.
A fé aplicada por muitos cristãos (principalmente pregada em muitos altares), por mais correta que pareça, ela tende a se enfraquecer com o tempo, não traz amadurecimento, virá uma fé estagnada (no binômio causa-efeito ou problema-solução), obtusa e “sem graça”. Esse tipo de fé, uma fé que tem os olhos e pés longe do chão, tende a perder sua conexão com e relevância para a vida de pessoas de carne e osso.
A fé ativa é aquela que nos coloca em ambientes de “guerra” e faz com que lutemos dia após dia para viver nosso chamado e na militância contra nossa carne, reconhecendo nossa miséria, não em sinônimo de fraqueza, mais na direção de uma jornada de liberdade e realidade consistente, com propósitos bem definidos e palpáveis.